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26 de Abril de 2024
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    Assédio moral: MPT resgata a dignidade do trabalhador

    Campinas (SP) - Dentro da fábrica, isolado dos colegas, um trabalhador cumpre sua jornada frente à mesa vazia, sentado sobre uma lata de lixo. Por determinação do patrão, foram-lhe tirados o assento, o uniforme e os instrumentos de trabalho; as lentes de uma câmera de vigilância se voltam para ele de forma ostensiva, alertando ao chefe se algum trabalhador desobedeceu às ordens de não socializar com o assediado.

    Essa é a situação pela qual foi submetido um ferramenteiro de uma pequena indústria eletrônica localizada no município de Vinhedo, no interior de São Paulo. Mas o dono da fábrica não contava com o flagrante feito pelo Ministério Público do Trabalho em diligência realizada em 2009.

    O trabalhador, integrante eleito da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e, portanto, dotado de estabilidade no emprego pelo prazo de dois anos, passou a sofrer assédio moral após brigas envolvendo os diretores da empresa, principalmente pelo fato de ser funcionário de confiança do antigo sócio. Diante da impossibilidade de demiti-lo, o empregador passou a criar situações humilhantes e vexatórias na tentativa de intimidá-lo e, assim, forçar sua saída da firma.

    Em determinado momento, o patrão ordenou que fosse colocado cloro em pó atrás do vaso sanitário do banheiro, para impedir que o ferramenteiro utilizasse o local para descanso, já que não dispunha de assento. A inalação do vapor provocou a intoxicação do empregado e sua internação hospitalar durante dois dias. O fato foi confirmado pela copeira da empresa em depoimento ao MPT.

    Após sete meses, período no qual foi vítima de atos humilhantes e de isolamento dos colegas, o ferramenteiro registrou uma denúncia no Ministério Público do Trabalho (MPT). O relato das condições em que ele se encontrava na empresa chocou os procuradores. Em diligência à fábrica, o MPT fez o flagrante e registrou em vídeo a irregularidade. Ao ver que as autoridades ministeriais responderam ao seu apelo, o trabalhador, claramente emocionado, chorou como criança. Sentiu que finalmente sua dignidade seria resgatada.

    A procuradora Alvamari Cassillo Tebet, que atuou no caso, ressalta a importância da atuação do Ministério Público do Trabalho no combate à prática: o assédio moral é a lesão, a ofensa ou a agressão à integridade, à dignidade ou à intimidade do empregado dentro do ambiente de trabalho. Ele pode ser praticado das mais diversas formas, seja pelos superiores hierárquicos, empregadores ou até mesmo por outros trabalhadores. Trata-se de uma conduta ilícita que fere a honra e a moral do indivíduo e que deve ser combatida quando gera dano de natureza coletiva. No caso do trabalhador em questão, a atuação do MPT foi atípica, pois se tratava de uma situação que afetava apenas um indivíduo. A diligência, no entanto, mostrou que se tratava de uma ofensa de natureza coletiva, que extrapolava o individual, pois os outros trabalhadores também se sentiam constrangidos pela forma humilhante pela qual o colega estava sendo tratado, relembra.

    A intervenção do MPT e da Justiça do Trabalho pôs fim ao assédio moral sofrido pelo ferramenteiro, pois provocou a rescisão indireta do contrato de trabalho, que foi desejada pelo trabalhador, e viabilizou uma indenização por danos morais. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo MPT foi assinado pela empresa, encerrando definitivamente a prática de assédio moral, ao se comprometer a não submeter empregados a condições semelhantes às vivenciadas pelo ferramenteiro.

    Sob pena de multa, a empresa assumiu a obrigação de não praticar nenhum tipo de coação sobre os trabalhadores, a não submetê-los a qualquer forma de abuso que pudesse resultar em danos físicos ou psicológicos ou a práticas vexatórias e humilhantes de qualquer espécie e, ainda, a não forçar a demissão de qualquer um de seus empregados.

    Outro acordo foi celebrado para encerrar irregularidades constatadas no meio ambiente de trabalho, tais como ergonomia e programas de segurança e saúde do trabalho, e também para regularizar jornada e pagamentos salariais.

    Em ação individual, o trabalhador conseguiu uma indenização pelo assédio sofrido, utilizando-se de evidências produzidas pelo MPT. O processo transitou em julgado e o ex-ferramenteiro recebeu uma boa reparação em dinheiro.

    Assédio também nas grandes empresas

    O assédio moral não acontece apenas em empresas de pequeno porte. Mesmo dotadas de infraestrutura e organização de primeiro mundo, grandes multinacionais protagonizaram casos de assédio em larga escala. O caso constatado na fábrica da coreana Samsung, em Campinas, transformou-se em um típico episódio de intervenção do Ministério Público.

    Investigações conduzidas pelos procuradores a partir de 2008, motivadas por denúncias do sindicato da categoria, apontaram para um grave precedente dentro da empresa: os chefes coreanos da fabricante de eletrônicos tratavam empregados de forma humilhante e vexatória, por meio de conduta desrespeitosa e agressiva.

    Em depoimentos, ex-trabalhadores afirmaram que eram tratados de forma agressiva pelos supervisores e que os supervisores chamavam a atenção dos funcionários com gritos e palavrões. Um dos ex-empregados disse em depoimento que as agressões verbais proferidas pelos gerentes e supervisores coreanos eram rotineiras no ambiente de trabalho. Duas depoentes afirmaram que era comum presenciar trabalhadoras chorando nos banheiros, e que, em prol da produtividade, os supervisores ameaçavam de demissão os funcionários com produção atrasada.

    Há registro de afastamentos em razão de problemas de saúde, entre eles, depressão, estresse e síndrome do pânico, justificados pelas humilhações impostas pelos superiores.

    Os procuradores fizeram diligência na empresa e tomaram depoimentos no local. Na oportunidade, o MPT constatou a forte pressão exercida sobre os trabalhadores para o alcance das metas de produção, com a afixação de placas e painéis por toda a fábrica.

    Em audiência, a representante do sindicato da categoria esclareceu que as situações relatadas de fato acontecem na empresa, especialmente quando há treinamento realizado por coreanos. Além disso, foi dito que os supervisores dos setores têm advertido indiscriminadamente os funcionários que cometem algum tipo de falha e que nessas situações o funcionário é chamado em uma sala aberta onde é advertido pessoalmente e ameaçado da perda do emprego.

    Em sua defesa, a Samsung sustentou que sempre cumpre rigorosamente a legislação vigente, recusando-se a firmar um acordo extrajudicial perante o MPT. Com isso, foi ajuizada ação civil pública pedindo o fim imediato do assédio, o que resultou na concessão de liminar pela Justiça do Trabalho, determinando que a Samsung deixe de utilizar meios de punição senão os previstos na lei.

    Em agosto de 2011, a Samsung celebrou acordo judicial com o MPT, se comprometendo a não praticar e permitir todo e qualquer ato que configure assédio moral, assim entendido todo aquele que excede os limites regulares para o exercício do poder do empregador, adotando todas as medidas necessárias para coibir qualquer prática vexatória e/ou atentatória à dignidade dos trabalhadores, sob pena de multa de R$ 2 mil por infração.

    Além da obrigação, a empresa deve pagar R$ 500 mil de indenização por danos morais causados à coletividade, que será revertida a órgãos públicos e entidades assistenciais indicadas pelo MPT.

    O Ministério Público do Trabalho espera que a presente conciliação encerre definitivamente os atos de assédio moral por parte da empresa, os quais atentam seriamente contra a dignidade da pessoa humana e contra os valores sociais, espera a procuradora Catarina von Zuben, responsável pela conciliação.

    Assédio nunca mais

    As diferenças culturais entre coreanos e brasileiros, fonte do assédio moral nas grandes empresas da Coréia instaladas no Brasil, motivaram a criação de procedimento específico para investigar de forma ampla e difusa as multinacionais oriundas daquele país que têm operações no interior de São Paulo.

    O Promo (procedimento promocional) busca direcionar as relações trabalhistas com base na legislação brasileira, haja vista as diferenças culturais e de mercado entre os dois países. Instalados há mais de uma década no Brasil, os grandes grupos coreanos estão dominando boa parte das vendas no mercado nacional, principalmente no setor automotivo e de eletrônicos, com crescimento invejável.

    Contudo, como já ficou provado em investigações de procuradores do Trabalho, nem sempre essas empresas respeitam a legislação brasileira, o que reflete em adoecimento físico e mental de trabalhadores, como mostra o caso da Samsung.

    Para iniciar a instrução do processo investigatório, o MPT dialogou com o cônsul coreano em São Paulo, Jeong Hak Park, que explanou a problemática apontando o diálogo como melhor forma de se minimizar as diferenças, estreitar relações e aproximar os povos.

    É indispensável o diálogo entre autoridades, empresas e sindicatos para tratativas quanto à proteção da saúde do trabalhador, finaliza Von Zuben, que preside o Promo.

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