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26 de Abril de 2024
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    MPT combate a precarização do trabalho na construção civil

    Campinas (SP) - O número de acidentes de trabalho acompanhou a ascendência do mercado da construção civil, ou seja, cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Um levantamento realizado pelo Ministério da Previdência indica que houve um crescimento de 70% no número de ocorrências em quatro anos. Em 2004 foram registrados 29 mil acidentes, enquanto que no ano de 2008 foram 49 mil.

    De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o segundo trimestre de 2010 registrou expansão do segmento de 16,4% em relação ao igual período de 2009. A consultoria Lafis mostra que os investimentos gerados por programas habitacionais (Minha Casa, Minha Vida), pelo Programa de Aceleracao do Crescimento (PAC) e obras da Copa do Mundo devem garantir o crescimento do PIB do setor no patamar de aproximadamente 6% ao ano até 2012.

    O paralelo entre o aumento dos acidentes e a aceleração da economia, assim como o avanço dos casos de trabalho escravo na Região Metropolitana de Campinas, levou as autoridades a avaliar a questão da terceirização nos canteiros de obras.

    A presença nas cidades do gato como o intermediador de mão de obra para a construção de empreendimentos, a forma como os migrantes são alojados, o esquema de contratação e a maneira como a legislação de segurança é vista ou adotada pelas terceirizadas trouxe à tona evidências de que a participação sem limites de empreiteiras na execução de obras representa um prejuízo em potencial aos trabalhadores.

    Pequenas empresas constituídas no improviso, com pouca experiência administrativa e baixa capacidade econômica. Em alguns canteiros, elas são vistas às dezenas. Alguns empreendimentos fiscalizados chegaram a contratar mais de 40 terceirizadas para serviços dos mais triviais (entre eles, alvenaria) aos mais complexos.

    Para o auditor fiscal do Trabalho João Batista Amâncio, a terceirização generalizada leva à precarização do trabalho. A terceirização é o principal fator de problemas, que vão desde falta de registro, não pagamento de salários, aliciamento de mão de obra, alojamento em condições degradantes e acidentes de trabalho devido à falta de condições de segurança e ausência de entrega e uso de equipamentos de proteção, explica.

    A atual configuração do segmento chamou a atenção dos procuradores do Ministério Público do Trabalho, que observaram um crescimento do número de denúncias relacionadas ao meio ambiente nas obras, assim como das ocorrências de acidentes, em geral ocasionadas por quedas, choques ou soterramentos.

    As crescentes autuações e o diagnóstico da construção civil, suportado por números, deram subsídios para a criação, em 2009, do Programa Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Indústria da Construção Civil, pela Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat), para verificar as condições de segurança e saúde do trabalhador em empreendimentos coordenados por empresas do ramo.

    Nos últimos dois anos, a Codemat deliberou ações sincronizadas em todo o país, com o objetivo de fechar o cerco às irregularidades nos canteiros. Em resposta às diretrizes nacionais, o MPT em Campinas articulou diligências em obras localizadas na sua circunscrição, no sentido de coibir o desrespeito à legislação de segurança do trabalho e garantir a integridade dos trabalhadores do setor.

    Em geral, as principais irregularidades apontadas se relacionam à falta de proteção contra quedas, instalações elétricas precárias, andaimes mal estruturados e ausência de equipamentos de proteção.

    Nas diligências realizadas, foi observada a terceirização quase total dos serviços nas obras, o que, no entendimento do Ministério Público do Trabalho, resulta na precarização do meio ambiente de trabalho. A terceirização na construção civil é preocupante, afirma a procuradora Eleonora Bordini Coca, representante da Codemat em Campinas.

    Escravidão nas obras

    Alojamentos superlotados, com condições de segurança e higiene precários, retenção de documentos, atrasos salariais, aliciamento e dívidas com o empregador.

    Por incrível que possa parecer, este tipo de conduta ocorre em pleno século XXI, e não apenas no meio rural, como mostrado amplamente pela mídia na última década, mas também nos grandes centros urbanos, com o acometimento de casos nas maiores cidades do país.

    Contudo, ao listarmos os municípios brasileiros que registraram este tipo de prática, notadamente no setor de construção civil, nenhum está tão em evidência como Campinas.

    Cidade com mais de 1 milhão de habitantes, Campinas está à frente de uma região metropolitana composta por 19 municípios, a qual representa 2,7% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional e produz cerca de R$ 70 bilhões por ano.

    Conhecida pela forte economia, a RMC apresenta uma infra-estrutura desenvolvida, com amplo sistema viário, um dos maiores centros de desenvolvimento tecnológico do Brasil e o aeroporto campeão em volume de cargas.

    Apesar da expectativa cada vez maior no quesito desenvolvimento urbano, a região enfrenta uma situação paradoxal: abriga de forma precária migrantes da construção civil, contratados para dar conta da demanda gerada pelo mercado imobiliário.

    Procuradores do MPT e auditores do MTE estão se deparando, a cada dia, com situações periclitantes nos canteiros de obra, onde a pressa e a falta de planejamento se encontram com esquemas improvisados de contratação e manutenção de operários em São Paulo.

    O setor enfrenta problemas de escassez de mão de obra qualificada, desde engenheiros até operários, evidencia o vice-presidente de capital trabalho do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Haruo Ishikawa.

    O resultado desta busca frenética pela mão de obra, em geral, traz prejuízos às relações de trabalho, a começar pela vinda do trabalhador a São Paulo, onde não se encontram facilmente pessoas para executar este tipo de atividade.

    Na maioria dos casos, as construtoras subcontratam empreiteiros que trazem operários de outros estados, geralmente da região Nordeste, para suprir a demanda existente. Este pode ser o início da precarização.

    O esquema de contratação de mão de obra, assim como as condições de alojamento e moradia, possui uma semelhança muito grande com aquele adotado por empresas do setor sucroalcooleiro, que ainda persiste em algumas regiões, observa o procurador Mário Antônio Gomes.

    O procurador se refere à vinda de trabalhadores sem o prévio registro em carteira, por meio de transporte clandestino, geralmente tendo o trabalhador a incumbência de custear a própria passagem (e não raro o aluguel e a alimentação).

    Nesse caso, o modus operandi da busca pela mão de obra na construção civil assemelha-se ao que se via no meio rural: ele está impregnado pela cultura do gato, figura que intermedeia a vinda irregular de trabalhadores ao estado de São Paulo com falsas promessas de salário e qualidade de vida.

    O Código Penal prevê pena de 1 a 3 anos de reclusão aos responsáveis pelo aliciamento de trabalhadores de um estado ao outro da Federação e pena de 2 a 8 anos de reclusão por crime de trabalho escravo. Mas o problema parece muito mais endêmico do que se imagina.

    As pequenas empreiteiras são constituídas com capital modesto, geralmente por um ex-operário, que não possui experiência administrativa e capacidade técnico-econômica. Por isso, os riscos de não pagamento dos salários e precarização do trabalho aumentam consideravelmente, finaliza Gomes.

    Atuação em números

    Centenas de trabalhadores já foram beneficiados pela atuação do MPT nos canteiros de obra apenas no ano de 2011. De janeiro a dezembro, foram instaurados 293 procedimentos, entre representações e inquéritos, contra construtoras e empreiteiras de mão de obra, as famosas terceirizadas.

    Ainda em 2011 foram firmados 109 acordos extrajudiciais, os chamados Termos de Ajuste de Conduta (TAC) com empresas do setor. Contabilizando uma média de 100 trabalhadores atingidos por conciliação, o número de operários ultrapassa a casa dos milhares. Atualmente, 34 construtoras estão sendo processadas pelo MPT.

    Os números abrangem a sede do MPT, em Campinas, e todas as Procuradorias nos municípios do interior, as quais, em conjunto com a fiscalização do trabalho, têm obtido bons resultados na garantia do meio ambiente de trabalho seguro e do trabalho decente na construção civil.

    Grande processo, grande construtora

    De todas as ações coletivas ajuizadas em face de empresas do segmento, nenhuma ganhou tanta repercussão quanto aquela que busca a reparação dos danos causados a trabalhadores de uma obra em Americana (SP) e o ajustamento de conduta da construtora.

    O MPT pede a condenação da MRV S/A em R$ 10 milhões pela redução de trabalhadores migrantes do empreendimento Beach Park à condição análoga à escravidão, fundamentando a precarização pela terceirização sem limites, inclusive de serviços de alvenaria, essenciais à atividade econômica da empresa.

    As situações encontradas enquadram-se nas hipóteses de degradação do ambiente de trabalho, do local de alojamento, e de restrição de locomoção por meio de retenção de CTPS e não pagamento de salário, configurando trabalho análogo ao de escravo, afirmam os auditores de Campinas em seu relatório fiscal.

    Como resultado da operação realizada em fevereiro deste ano, além do resgate de 63 trabalhadores pelo MTE, o MPT firmou Termo de Ajuste de Conduta (TAC), com o objetivo de tutelar a situação dos escravizados, garantindo a rescisão dos contratos e a condução deles às cidades de origem.

    A situação encontrada não deixa margem de dúvida sobre a ilicitude da terceirização perpetrada pela ré, facilmente percebida pela incidência concomitante de algumas circunstâncias, tais como ausência de delegação de serviços especializados, subordinação direta e idoneidade econômica dos terceirizados afirmam os procuradores.

    Além da degradância observada nos alojamentos e nas relações precárias de trabalho, a fiscalização e o MPT flagraram também o descumprimento de quase a totalidade das normas de segurança e saúde do trabalho, com a aplicação de 44 multas pelos auditores.

    Atividade-fim

    Os fiscais de Campinas, em suas conclusões, põem em cheque o modus operandi da MRV, espelhando os objetos sociais da construtora e das prestadoras contratadas para as obras. O objeto social de ambas as terceiras é construção de edifícios (...). A MRV tem por objeto construção e comercialização de imóveis próprios. Há, pois, coincidência de atividade econômica dessas três empresas, afirmam.

    O relatório prossegue: nota-se, da análise dos depoimentos, da comparação dos contratos sociais e da composição da mão-de-obra, que a MRV optou pela ampla terceirização do trabalho braçal, indispensável para a consecução de seu objeto social de construção de edifícios, mantendo em seus quadros apenas os profissionais administrativos e com poderes de mando e coordenação.

    Os procuradores também pedem na ação a expedição de ofícios ao Ministério das Cidades e às superintendências regionais e nacionais da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, para cientificá-los do teor da sentença para tomar eventuais providências sobre a destinação das verbas para o programa Minha Casa, Minha Vida.

    O objetivo do MPT é o de buscar meios para a proteção do erário público, considerando haver destinação de dinheiro público que, em última instância, financia obras realizadas pela ré dentro do programa, especialmente aquela em que averiguados os fatos ora tratados.

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